O índice de preços ao consumidor (CPI) publicado nesta terça-feira trouxe algum alívio aos formuladores de política monetária e aos mercados. Os números, mais leves do que o esperado, indicam que a inflação pode estar cedendo em diversos segmentos, especialmente nos serviços. Contudo, há uma camada subterrânea de pressões inflacionárias que ainda não foi capturada pelas estatísticas oficiais. A reportagem publicada hoje pela Reuters lança luz sobre um fenômeno silencioso: o encarecimento estrutural do comércio exterior dos EUA.
A reportagem mostra como importadores americanos estão sendo forçados a contratar despachantes aduaneiros com mais frequência, a taxas significativamente mais altas, para lidar com a nova onda de tarifas impostas pelo ex-presidente Donald Trump. Além de dobrar as tarifas sobre aço e alumínio, Trump sinalizou a possibilidade de impor sanções adicionais contra a União Europeia — uma estratégia que altera drasticamente o custo de entrada de produtos no território americano.
Esse movimento tem dois efeitos diretos. Primeiro, aumenta os custos operacionais das empresas importadoras. Segundo, esses custos são repassados gradualmente aos consumidores na forma de preços mais altos. A demanda por serviços de corretagem explodiu e, com ela, as tarifas cobradas por código de produto dispararam — de US$ 4 ou US$ 7 por item para até US$ 12. Grandes empresas como FedEx, DHL e UPS já anunciaram aumentos nas suas tarifas logísticas, enquanto reforçam suas equipes de compliance alfandegário. A engrenagem ficou mais cara, mais lenta e mais opaca.
Aparentemente, os efeitos disso ainda não chegaram aos indicadores agregados de inflação. Mas isso não significa que não estejam a caminho. O CPI mede o que já ocorreu, não o que está por vir. E há sinais claros de que muitas empresas anteciparam importações no primeiro trimestre, numa tentativa de escapar dos aumentos tarifários. O que se vê agora nos dados de inflação é, portanto, um espelho de curto prazo que ainda não reflete a nova realidade de preços.
A importação de bens de consumo caiu US$ 68,9 bilhões em abril, segundo o Bureau of Economic Analysis. A retração, que pode parecer desinflacionária à primeira vista, é na verdade reflexo de um efeito de antecipação que terá duração limitada. À medida que novos embarques forem submetidos às tarifas mais altas e processados com os custos elevados de corretagem, a pressão sobre os preços voltará — e será sentida diretamente no bolso do consumidor.
A conjuntura torna-se ainda mais sensível diante da recente decisão de um tribunal federal que autorizou a continuidade da aplicação das tarifas enquanto recursos judiciais tramitam. Ou seja, mesmo sob contestação legal, os encargos seguem válidos. A previsibilidade, que sempre foi um pilar da segurança regulatória americana, está sendo substituída por choques unilaterais e medidas repentinas. Exemplo claro disso foi o anúncio surpresa da elevação tarifária na semana passada, que obrigou a alfândega a emitir novas orientações horas antes da entrada em vigor da medida.
O risco não é apenas econômico. É também institucional. A lógica tarifária usada como ferramenta eleitoral e de barganha diplomática reverte décadas de política orientada por regras multilaterais. E esse custo político, embora intangível, pode ter efeitos inflacionários duradouros, ao afastar investimentos e encarecer o fluxo global de mercadorias.
Em resumo, a inflação parece contida hoje, mas os motores de uma nova onda de aumento de preços estão em rotação. As tarifas são uma forma indireta de tributação, cujos efeitos são atrasados mas certeiros. O CPI divulgado hoje mostra o presente. O artigo da Reuters mostra o que está por vir. Ignorar essa defasagem é correr o risco de ser surpreendido — de novo — por uma inflação que parecia ter sido domada, mas apenas estava camuflada pela inércia estatística.
Muito bom !
Excelente análise, meu xará!
Muito bom , Jean