O PACOTE DA JUSTIÇA SOCIAL: QUEM PAGARÁ ESTÁ CONTA?
Em um movimento estratégico que mistura política econômica e cálculo eleitoral, o presidente Lula finalmente entregou ao Congresso Nacional o projeto de lei que promete isentar do Imposto de Renda quem ganha até R$ 5 mil mensais. A proposta, apresentada com pompa e circunstância no Palácio do Planalto, não apenas cumpre uma promessa de campanha, mas também representa uma das maiores reformas no sistema tributário brasileiro dos últimos anos.
A medida busca corrigir uma distorção histórica no sistema tributário nacional, onde proporcionalmente os mais pobres acabam pagando mais impostos que os mais ricos. Com a nova proposta, cerca de 10 milhões de brasileiros deixarão de pagar Imposto de Renda, somando-se aos outros 10 milhões que já foram beneficiados com ajustes anteriores na tabela. No total, caso o projeto seja aprovado, 65% dos declarantes do IR serão totalmente isentos, equivalente a mais de 26 milhões de pessoas.
Para manter o equilíbrio fiscal e evitar aumentar o rombo nas contas públicas, o projeto prevê uma compensação financeira: A tributação mínima para altas rendas.
A lógica é simples e foi bem resumida pelo presidente Lula: “O que estamos fazendo é apenas uma reparação. Estamos falando que 141 mil pessoas que ganham acima de R$ 600 mil, acima de um milhão de reais por ano, vão contribuir para que 10 milhões de pessoas não paguem Imposto de Renda”.
Em termos práticos, a proposta estabelece uma alíquota mínima de 10% para quem tem renda anual superior a R$ 1,2 milhão, com tributação progressiva para quem ganha entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão por ano. É aqui que residem tanto a virtude quanto o calcanhar de Aquiles da proposta: o princípio parece justo, mas também é o ponto que provavelmente enfrentará maior resistência no Congresso.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad enfatizou que apenas 0,20% dos mais ricos da sociedade serão afetados pela tributação compensatória – “não estamos falando de 10% da população, estamos falando de um quinto de 1% da população”. Segundo dados do governo, esses contribuintes de alta renda pagam hoje uma alíquota efetiva média de apenas 2,54%, o que evidencia a disparidade no sistema atual.
O CONGRESSO VAI MUDAR O JOGO: O QUE ESPERAR?
O presidente da Câmara, Hugo Motta, não deixou margem para dúvidas: “O Congresso, com certeza, fará alterações”. Em seu discurso durante a cerimônia de entrega do projeto, ele foi diplomático, mas direto: “Procuraremos dar a prioridade que a matéria necessita para que, ao longo dos próximos meses, tenhamos a condição de elaborar a melhor proposta possível para o país”.
Esta declaração sinaliza um caminho tortuoso para a aprovação integral do texto. Mas quais seriam as modificações mais prováveis? O primeiro ponto sensível é justamente a tributação das altas rendas. Partidos de oposição já manifestaram resistência à ideia de um imposto mínimo para os super-ricos, o que pode comprometer a neutralidade fiscal do projeto.
Outra possibilidade que circula nos bastidores é a ampliação do limite de isenção para R$ 10 mil, como forma de beneficiar ainda mais a classe média. Esta alteração, se implementada, poderia agradar ao eleitorado, mas criaria um problema fiscal ainda maior, exigindo compensações adicionais ou comprometendo o equilíbrio do orçamento.
O desafio do governo será navegar nas águas turbulentas do Congresso, onde interesses diversos se cruzam. A líder do PSOL, Talíria Petrone, mostrou otimismo ao declarar que “é difícil o Congresso Nacional ser contra um tema que envolve o cotidiano dos trabalhadores brasileiros”. Contudo, a história recente mostra que mesmo propostas populares podem sofrer transformações significativas durante a tramitação legislativa.
A ESTRATÉGIA ELEITORAL: 2026 JÁ COMEÇOU
Não é coincidência que a proposta, se aprovada, entrará em vigor justamente em 2026, ano eleitoral. O timing político é evidente e foi apontado por diversos comentaristas: a medida está sendo usada como estratégia do governo para tentar reverter a queda na popularidade de Lula nos últimos meses.
A reforma do Imposto de Renda, aparentemente, fez Lula e o PT encontrarem um rumo na campanha para as eleições do ano que vem. Ao reduzir a tributação para quem ganha até cinco salários-mínimos, o governo mira um contingente que representa mais de dois terços do eleitorado, uma matemática eleitoral significativa.
O ministro da Secretaria de Comunicação, Sidônio Palmeira, inclusive recebeu a tarefa específica de traçar o plano de divulgação da medida, indicando o peso estratégico atribuído à proposta no contexto da comunicação governamental.
Mesmo que o Congresso faça alterações substanciais, Lula já garantiu um trunfo político: poderá dizer que tentou cumprir sua promessa, mas encontrou resistência no Legislativo. Como observado, se as mudanças do Congresso decepcionarem os eleitores, Lula poderá dizer que tentou. Ele já tem um fato e uma fotografia para as disputas eleitorais de 2026.
O IMPACTO ECONÔMICO REAL: PARA ALÉM DA POLÍTICA
Colocando a estratégia eleitoral de lado, é importante analisar o impacto econômico concreto da proposta. A ampliação da faixa de isenção representa uma injeção direta de recursos na economia, como destacou a ministra Gleisi Hoffmann: “Essa renda em circulação significa crescimento da economia, significa a roda da economia girar”.
Com a isenção, trabalhadores da classe ‘média baixa’ e ‘média’ terão mais recursos disponíveis para consumo, o que pode estimular as atividades econômicas. Considerando que o Brasil tem uma economia fortemente baseada no mercado interno, o efeito multiplicador desse aumento de renda disponível pode ser significativo.
Por outro lado, o custo fiscal não é desprezível: R$ 27 bilhões anuais aos cofres públicos. Em um cenário de restrições orçamentárias, esse valor exige compensações adequadas para evitar o descontrole das contas públicas. A questão é se a tributação mínima das altas rendas, como proposta pelo governo, será suficiente e politicamente viável.
JUSTIÇA SOCIAL E O FISCAL, COMO FICA?
A proposta de isenção do IR até R$ 5 mil é, em essência, uma artimanha tributária com a montagem das peças políticas, econômicas e sociais. Do ponto de vista da JUSTIÇA SOCIAL, representa um avanço ao aliviar a carga fiscal sobre a classe média e baixa. Do ponto de vista político, é uma jogada estratégica com olhos nas eleições de 2026.
O desafio agora está nas mãos do Congresso Nacional, que terá a missão de equilibrar interesses diversos e, possivelmente, remodelar aspectos do projeto. As declarações de líderes como o presidente da Câmara, Hugo Motta, indicam que mudanças virão, mas a extensão dessas alterações ainda é uma incógnita.
Para os cidadãos brasileiros, especialmente os que ganham até R$ 5 mil mensais, resta acompanhar com atenção o desenrolar dessa novela. Afinal, está em jogo não apenas o cumprimento de uma promessa de campanha, mas uma reforma significativa no modo como o país tributa seus cidadãos.
Se a proposta avançar mantendo seus princípios fundamentais, poderemos testemunhar um passo importante na direção de um sistema tributário mais justo. Se for desfigurada no processo legislativo, poderá se tornar apenas mais um capítulo na longa história de promessas tributárias não cumpridas. O que é certo é que, do ponto de vista político, Lula já marcou seu ponto no tabuleiro eleitoral de 2026, mesmo antes da primeira movimentação oficial da campanha.
Ótimo Anderson, agradecemos o compartilhamento de informações
Muito bom artigo, Anderson.
Excelente Anderson