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“One Big Beautiful Bill Act”: O que precisamos saber?

A “Big Beautiful Bill” – formalmente intitulada One Big Beautiful Bill Act – é uma abrangente proposta legislativa do governo Trump que combina cortes de impostos massivos com cortes de gastos e medidas de segurança nacional. Ele visa cumprir promessas de campnha do Presidente Trump com o objetivo de estimular o crescimento econômico, reduzir gastos públicos e reforçar a segurança de fronteiras e defesa nacional.

A minha intenção com esse texto não é advogar por uma agenda, mas mostrar os riscos e oportunidades do projeto para que, de forma racional, possamos definir nossas estratégias.

Os principais componentes do projeto

1 – Cortes de impostos de grande escala, na tentativa de eliminar cerca de US$ 5 trilhões de dólares ao longo de 10 anos. O governo busca tornar permanentes as reduções de impostos para pessoas físicas aprovadas em 2017. Além disso, ele introduz novas isenções tais como não tributar gojetas, horas extras e juros de alguns empréstimos de automóvel. Também busca uma elevação temporária nas deduções de imposto de renda (esses últimos até 2028).

2 – Reduções de gastos e reformas em programas sociais, na tentativa de compensar parte da perda da receita. O pacote propõe reduzir em cerca de US$ 800 bilhões os gastos com Medicaid (plano de saúde para baixa renda). Seriam introduzidas exigências de trabalho chamadas de “engajamento comunitário” para adultos aptos e sem dependentes manterem a cobertura do Medicaid. Para manter o benefício, eles precisariam comprovar ao menos 80 horas mensais de trabalho remunerado ou voluntário. Ficariam inelegíveis famílias que possuíssem residências avaliadas em mais de US$ 1 milhão. Também haveria alteração na eligibilidade dos cupons de alimentaçãos (SNAP). As estimativas é de que o Medicaid possam eliminar cerca de 8,6 milhões de pessoas, e outras 3 milhões não teriam mais direito ao SNAP. Parte dos recursos econominzados (cerca de US 60 bilhões) seriam destinados ao agronegócio.

3 – Segurança de fronteiras e política de imigração. O projeto destina recursos para construção do muro entre EUA-México, além da contração de novos agentes de patrulha de fronteria (3000), agentes aduaneiros (5000) e agentes do ICE (10000). O objetivo é deportar 1 milhõe de imigrantes por ano além de aumentar a capacidade de tenção de 100.000 pessoas simultaneamente.

4 – Gastos com defesa e segurança nacional. Seriam destinados cerca de US$ 150 bilhões extras no orçamento da Defesa e Segurança Nacional. Entre os projetos, destacam-se o financiamento da iniciativa chamada de “Golden Dome for America”, que foi alvo de críticas pela China e Rússia, além de US$ 34 bilhões para expandir a frota da Marinha.

De uma maneira geral, a “Big Beautiful Bill” combina alívio tributário amplo para indivíduos e empresas, reduções em benefícios sociais considerados excessivos pelo Partido Republicano e investimentos nos pilares da agenda Trump (defesa, fronteira, produtores rurais, etc.).

O projeto segue agora para o Senado, onde provavelmente sofrerá revisões adicionais e novo embate político. Os líderes republicanos no Senado já sinalizaram interesse em modificar pontos (dado que mesmo alguns senadores do partido podem hesitar com certas medidas), e a meta é aprovar algo até o feriado de 4 de julho.

Repercussão Econômica

No âmbito econômico e fiscal, a reação de especialistas e do mercado financeiro tem sido marcada por preocupação com o impacto no déficit e na estabilidade macroeconômica

Há preocupação de que o projeto resultaria em “substancial aumento da dívida pública” na próxima década. O Comitê de Orçamento do Congresso (CBO) calculou que as provisões tributárias do projeto aumentariam o déficit em US$ 3,8 trilhões em 10 anos, enquanto as mudanças em Medicaid, SNAP e outros programas gerariam cerca de US$ 1 trilhão em cortes de despesa, não cobrindo nem um terço da perda de receita. O efeito líquido estimado é adicionar aproximadamente US$ 2,8 a 3,3 trilhões à dívida federal até 2035.

Em porcentagem do PIB, o grupo bipartidário (CRFB) projeta que a dívida pública passaria de 110% do PIB para 125% em 2034 e o déficit anual ultrapassaria 6,5% do PIB. Essa situação acendeu alertas entre economistas. Vale lembrar que dias antes da votação, a agência Moody’s rebaixou a nota de crédito soberano dos EUA, citando a trajetória preocupante da dívida (o Fitch já havia feito o downgrade em 2023.

Os mercados financeiros reagiram negativamente: houve alta acentuada nos rendimentos (yields) dos títulos do Tesouro e queda nas ações, sinalizando temor de que os EUA caminhem para déficits insustentáveis.

De forma resumida, a repercussão econômica centra-se no desequilíbrio fiscal. A perspectiva de déficits maiores alimentando inflação e juros elevados, possivelmente forçará o Fed a manter política monetária apertada. Enquanto alguns investidores e empresários comemoram as reduções de impostos e o potencial estímulo de curto prazo, há um clima de cautela pelo risco de médio prazo.

Implicações para Investidores (Domésticos e Internacionais)

A comunidade de investidores reagiu de imediato à perspectiva da “Big Beautiful Bill” e avalia uma série de implicações financeiras caso a legislação avance no senado. De maneira geral, a reação inicial foi de aumento da aversão ao risco

1 – Mercado Acionário

No curto prazo, a expectativa de grandes cortes tributários corporativos e pessoais poderia ser interpretada como fator positivo para lucros empresariais e consumo

Alguns setores específicos despontam como vencedores óbvios. Empresas de defesa e indústria bélica tendem a lucrar com contratos governamentais. Companhias de energia tradicional (petróleo, gás, mineração) ganhariam duplamente tanto pelo incentivo à exploração em terras públicas e redução de royalties, bem como pela eliminação de subsídios verdes que nivelaria competitividade frente a renováveis. 

No entanto, o panorama geral do mercado acionário ficou sombrio devido às preocupações macroeconômicas. Há um temor que juros mais altos (necessários para financiar déficits) reduzam múltiplos. Nesse caso, empresas de crescimento (mais sensíveis às taxas de desconto) estariam mais vulneráveis.

De uma maneira geral, caso o pacote avance, poderíamos ver um “rali setorial” em energia fóssil, defesa e talvez bancos.

2 – Mercado de Renda Fixa

Este grupo provavelmente sente o impacto mais direto. A perspectiva de explosão do volume de Treasuries emitidos para cobrir novos déficits derrubou os preços dos títulos existentes, elevando os yields. Para detentores de títulos já emitidos, isso representa desvalorização de carteira (pois os preços caem quando os juros sobem). Novos compradores exigirão prêmios maiores – por exemplo, a Auction de 20 anos foi fraca, indicando que só aceitariam o papel a juros maiores. 

O rebaixamento pela Moody’s (tirando o selo AAA histórico) já reduz o pool de investidores obrigados a comprar apenas AAA, o que a longo prazo pode diminuir a demanda estrutural por Treasuries e forçar ainda mais alta de yields.

3 – Investidores internacionais e mercados globais

As implicações repercutem mundialmente. Um incremento grande dos juros americanos tende a atrair capital global para os EUA, fortalecendo o dólar temporariamente. Do mesmo modo, se surgir dúvida sobre a trajetória fiscal americana, pode haver perda de confiança no dólar no longo prazo

Nos dias antes a aprovação na Câmara, viu-se um movimento interessante: o dólar enfraqueceu frente ao iene japonês (assunto mais comentado no “X” na semana da votação), pois investidores buscaram o iene como porto-seguro em meio a preocupações com a economia americana.

Um efeito colateral é em mercados emergentes: yields americanos mais altos podem provocar saída de capitais de países emergentes de volta para ativos em dólar, desvalorizando moedas emergentes e encarecendo suas dívidas.

Para investidores internacionais, a leitura é que a política fiscal dos EUA tornou-se um fator de risco global, algo que não era tão presente em décadas anteriores. Se antes os Treasuries eram ativo mais seguro, hoje carregam algum prêmio de incerteza política/fiscal.

Vale notar que, historicamente, instabilidades fiscais nos EUA tendem a elevar preços de ativos de refúgio. O ouro já vinha subindo modestamente, e moedas como o iene, franco e até criptoativos “descentralizados” poderiam se beneficiar se a confiança no dólar vacilar.

4 – Setores Específicos.

Investidores do ramo de energia renovável e tecnologia limpa encaram a proposta como decididamente negativa. A eliminação acelerada de créditos para solar, eólica, veículos elétricos e baterias significa que muitos projetos poderiam se tornar financeiramente inviáveis ou menos lucrativos.

Setores tradicionais, como petróleo e gás, podem comemorar. Além dos incentivos diretos (maior leasing de terras, royalties menores), a retirada de subsídios aos concorrentes verdes melhora suas perspectivas de mercado.

investidores do setor de saúde têm cenário misto: empresas farmacêuticas e hospitais podem ter menos receita garantida se milhões perderem planos de saúde (menos pacientes segurados significa mais inadimplência hospitalar e menor venda de medicamentos prescritos cobertos). Porém, seguradoras de saúde que operam planos privados podem ganhar novos clientes se pessoas buscarem planos privados após saírem do Medicaid – embora muitos provavelmente fiquem descobertos.

Conclusão

A Big Beautiful Bill é, acima de tudo, um reflexo direto da visão de mundo da atual administração: menos impostos, menos Estado, mais segurança nacional. 

No curto prazo, não se pode ignorar o potencial de estímulo que os cortes de impostos trazem, sobretudo para determinados setores e para empresas com alta carga tributária. Por outro lado, o custo fiscal do projeto é elevado, e os impactos sobre a dívida e os juros já estão sendo precificados pelo mercado.

Para quem investe, não se trata de escolher um lado político, mas de entender os vetores que movem os ativos e antecipar movimentos.

Iniciante Observador

Escrito por Jean Botelho

Cirurgião de Formação.
Amante de mercados em geral, com foco no mercado Americano.

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