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PARTE 02 – A BATALHA SILENCIOSA: MORAES VS KASSAB, QUEM VENCERÁ?

O EQUILÍBRIO DE PODERES EM RISCO

O embate entre Moraes e Kassab ilustra uma dimensão mais profunda da crise institucional brasileira: o delicado equilíbrio entre os Poderes da República parece cada vez mais fragilizado. Quando o Judiciário adentra o terreno político com tamanha desenvoltura, e quando o Legislativo questiona sistematicamente decisões judiciais, as linhas que deveriam separar os Poderes se tornam perigosamente tênues.

Este caso específico mostra como decisões aparentemente técnicas – como a mudança jurisprudencial sobre foro privilegiado – podem carregar imenso peso político quando aplicadas de forma seletiva ou estratégica. Da mesma forma, o projeto de anistia representa uma tentativa do Legislativo de reverter, por meio de lei, decisões judiciais já tomadas pelo Supremo.

Nesse contexto, Kassab emerge como figura-chave. Como líder do partido com maior bancada no Senado, sua posição pode ser decisiva para o futuro do projeto de anistia. Por isso mesmo, a decisão de Moraes ganha contornos tão significativos: ao trazer o processo de volta para sua alçada, o ministro sinaliza que o custo de apoiar a anistia pode ser alto demais.

QUEM GANHA E QUEM PERDE NESTE EMBATE?

Para Alexandre de Moraes, a recuperação do processo representa uma demonstração de poder em um momento crítico. Se sua intenção for pressionar Kassab contra a anistia, o movimento já produz resultados: o tema está no centro do debate público e o presidente do PSD certamente ponderará com cuidado seus próximos passos. Mesmo que o processo eventualmente seja arquivado, como sugere a defesa de Kassab, o recado já foi dado.

Além disso, ao trazer o caso para o STF, Moraes garante que qualquer desdobramento estará sob seu controle direto. Não haverá surpresas vindas de juízes de primeira instância ou de tribunais regionais. Cada movimento processual passará por seu crivo, o que representa uma vantagem estratégica.

Para Kassab, o cenário é mais complexo. Por um lado, ter seu processo sob a relatoria de Moraes significa estar na mira de um dos ministros mais poderosos e determinados do STF. Por outro, a própria pressão pública sobre o caso pode tornar mais difícil qualquer decisão judicial que pareça politicamente motivada.

Em um sentido mais amplo, Kassab poderia até transformar esta pressão em capital político junto a setores da direita, apresentando-se como alvo de perseguição por defender a anistia. Esta narrativa ressoa fortemente com uma parcela do eleitorado que já vê o STF, e particularmente Moraes, como agentes de um suposto “ativismo judicial” contra conservadores. Se Kassab conseguir se posicionar como defensor de uma “reconciliação nacional” contra a “perseguição” do STF, poderá fortalecer seu capital político junto ao eleitorado de direita.

O presidente do PSD é conhecido por sua habilidade em transformar adversidades em oportunidades. “O desempenho do atual prefeito (Ricardo Nunes) também tem o dedo de Kassab, que hoje é aliado político principal do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas”, demonstrando como ele maneja alianças políticas complexas com maestria.

O FUTURO DA ANISTIA E O HORIZONTE DE 2026

O destino do projeto de anistia permanece incerto. O Congresso brasileiro nem sempre reflete fielmente a opinião pública em suas decisões, especialmente em temas polarizadores.

O apoio de Kassab e do PSD poderia ser determinante, dada a influência do partido no Senado. Se a pressão de Moraes efetivamente afastar o PSD do projeto, as chances de aprovação diminuem consideravelmente. Por outro lado, se Kassab decidir resistir e mobilizar sua bancada em favor da anistia, estabelece-se um confronto direto com o STF.

Para 2026, os desdobramentos são cruciais. Sem anistia, Bolsonaro provavelmente permanecerá inelegível, abrindo espaço para candidatos como Michelle Bolsonaro ou Tarcísio de Freitas, que já aparece com números expressivos em pesquisas recentes (14,1% segundo CNT/MDA). Com anistia, o cenário muda completamente, com o ex-presidente potencialmente voltando ao centro do cenário político.

O próprio Kassab tem interesses em 2026. Seu relacionamento próximo com Tarcísio de Freitas sugere que o governador de São Paulo pode ser seu candidato preferido para a sucessão de Lula. “O Kassab já avisou que não vai queimar o Tarcísio antes de 2030”[7], comenta um usuário do Reddit, indicando a estratégia de longo prazo do presidente do PSD. Uma disputa entre Tarcísio e Bolsonaro pela liderança da direita seria prejudicial a esses planos.

A BATALHA ALÉM DOS PERSONAGENS

A disputa entre Moraes e Kassab transcende seus protagonistas. O que está realmente em jogo é o funcionamento do sistema democrático brasileiro, a relação entre os Poderes e o próprio conceito de estado de direito.

Quando decisões judiciais adquirem contornos políticos tão evidentes, e quando articulações políticas buscam reverter condenações judiciais, as fronteiras institucionais se tornam perigosamente fluidas. Este não é um fenômeno exclusivamente brasileiro – democracias ao redor do mundo enfrentam desafios semelhantes, mas adquire contornos particulares em um país com instituições ainda em consolidação.

O desfecho deste embate específico, seja qual for, estabelecerá precedentes para o futuro. Se Moraes conseguir efetivamente pressionar Kassab contra a anistia, reforça-se o poder do Judiciário sobre o comportamento político de lideranças partidárias. Se Kassab resistir e avançar com o projeto, fortalece-se a autonomia legislativa frente a pressões judiciais.

Em qualquer cenário, o cidadão brasileiro observa, muitas vezes perplexo, como decisões fundamentais para o país são tomadas não com base em princípios claros e transparentes, mas em jogos de poder e pressão nos bastidores. Esta percepção, por si só, representa um desafio para a legitimidade do sistema como um todo.

A verdadeira questão que emerge deste episódio não é quem vencerá, Moraes ou Kassab, mas que tipo de democracia resultará deste e de tantos outros embates semelhantes que têm caracterizado a política brasileira recente. Uma democracia que os Poderes se respeitam mutuamente, ou que prevalece a lei do mais forte?

A resposta a esta pergunta definirá o rumo do Brasil muito além das eleições de 2026.

Contribuidor

Escrito por Anderson Nunes

Especialista em análise política. Há mais de 7 anos operando no mercado financeiro, com formação em engenharia e em gestão pública. Investidor com grande experiência em opções e conhecedor do cenário político brasileiro e sua influência sobre o mercado financeiro. Comando diariamente o programa Canal Auxiliando no YouTube passando um overview do mercado, traduzindo as complexidades das informações de Brasília em análises precisas e diretas, que podem ser utilizadas nas decisões de investimentos

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